sexta-feira, 25 de julho de 2014

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CAPÍTULO 1
O aviso


– Alô? Chloe? Alô? – coloquei o celular no ouvido na esperança de que ouvisse a sua voz novamente.  
O meteoro com anéis continuava ali, esmagando minha residência ao meio. Os vizinhos incrédulos comentavam e agradeciam por não serem suas casas. Milhões de jornalistas brotaram do chão e já filmavam e tiravam fotos.
Meus joelhos tocavam o chão e minha vontade era de ficar parado ali, quieto, esperando a ficha cair. O vento quente provocado pelo fogo chegava a meu rosto e eu comtemplava tudo aquilo.
Alguns bombeiros estavam entrando nos escombros e um caminhão virou a esquina buzinando e com as sirenes ligadas, as pessoas saíram do caminho e rapidamente um jato de água enorme passou por cima de minha cabeça.
– Peter! – a voz de Claire soou ao meu lado. Havia esquecido que ela estava ali. Tapava com uma das mãos o olho esquerdo, que tinha sido machucado por um policial – Precisamos sair daqui!
Minha cabeça girava a mil por hora.
– Não posso – disse.
– Ei, saiam da área delimitada pela perícia – uma voz masculina surgiu atrás de nós, rapidamente traduzi o que ele disse.
Um policial gordo, quase sem pescoço fumando um charuto estava atrás de nós. 
– Não, não vamos sair – disse acenando a cabeça negativamente, em português. Ele me olhou com uma expressão de dúvida e me pegou pelos braços.
– Me largue! – comecei a gritar.
Uma câmera de uma emissora famosa focou em nós. A repórter pareceu entender o que estava acontecendo e estava narrando o momento.
“Este jovem está sendo carregado para fora da área da perícia! Segundo testemunhas, ele é o morador da residência atacada pelo meteoro. Catástrofe! Billy, ainda não possuímos informações se há algum ferido, mas continuaremos alertas!”
– Peter! – ouvi a voz Claire.
Fui jogado no carro da polícia de Washington de qualquer maneira pelo policial gordo. Minha cabeça bateu na outra porta que estava fechada. Abri a boca para reclamar, mas antes disso percebi que todos estavam com as bocas abertas antes de mim.
Um grande coral de “meu Deus” se estendeu pelo ar até chegar até meus ouvidos, seguidos de gritos de desespero e agonia.
Uma explosão ocorreu em cima de mim e subitamente uma rocha  penetrou o teto do veiculo e caiu próximo ao porta-luvas. Estava tostada e pequenos pedaços de gelo sujo estavam grudados.
PETER!
CLAIRE!
Levantei rapidamente e sai do carro. Todos os vizinhos, pessoas curiosas, repórteres, policiais, e bombeiros estavam correndo desesperadamente para dentro de casas aleatórias.
Claire se aproximou correndo e olhamos para o céu juntos. Como se fosse chuva, pedaços de rochas estavam descendo na atmosfera terrestre. Descendo até nós.
Segurei na mão de Claire e corremos pela rua, sua mão estava suada, mas naquele momento nada importava. Um meteoro de um tamanho de uma impressora caiu a alguns metros de nós e rachou o asfalto. Claire soltou um grito, mas não parou de correr.
– O que é isso? – a ouvi dizer.
– Não sei! – menti.
Uma mulher na nossa frente foi atingida nas costas por um pedaço de rocha do tamanho de um caderno escolar. Paramos próximos a ela e a ajudamos.
– É o fim do mundo – ela falou com os olhos marejados.
Uma rocha do tamanho de um carro caiu no caminhão dos bombeiros e explodiu imediatamente. A sirene cessou. A água armazenada se transformou em vapor rapidamente.
Colocamos a senhora dentro de uma residência de alguém desconhecido e ficamos por lá. Claire olhava da varanda, os meteoros, meteoritos e pedras de gelo caindo do chão como chuva. Aquilo tudo me assustava. Não era um sinal positivo.
Eu sabia quem estava fazendo isso. Quem estava me atacando, e porquê.
Deimos tinha uma missão, e esta seria me matar.
Havia tentado há alguns dias atrás, na Base Lunar, mas assassinou Sky, a Imperatriz da Lua, em um ato de traição. E isso tudo tinha ocorrido pelo briga que a Via Láctea e Andrômeda possuem há séculos.
Procuramos um cômodo vazio. Entramos em um quarto feminino, a parede rosa, a cama com vários ursinhos de pelúcia, a televisão estava ligada em um canal de desenho e o cheiro era delicioso, mas muito delicado.
– Eu preciso contar uma coisa – disse.
Sentamo-nos na cama jogando os ursinhos para trás.
– Diga – ela disse.
– Ah – ponderei se deveria contar.
E se ela não acreditasse em mim? E se ela achasse que eu estivesse louco? Não é sempre que alguém diz “estive no universo” para qualquer um.
– Então – tomei coragem – Antes de nos conhecermos, eu estive viajando...
– Legal, onde você estava?
– O problema é esse, você não vai acreditar em mim.
– Por que não?
– Porque eu estive viajando pelo Universo.
O silêncio permaneceu entre nós dois. Claire se ajeitou na cama se afastando e ergueu as sobrancelhas.
 – Isso que ocorreu agora, o meteoro caindo na minha casa e também na cidade, é um ataque. Um ataque.
“Eu descobri alguns dias atrás que era descendente de uma linhagem muito esquisita que envolvia o Universo. Fui para a Lua e conheci e vi várias coisas que cientistas matariam uns aos outros para descrever com clareza. Sabia que o Universo é mais do que vemos por aqui? A escuridão de lá se transforma em vida e o mais impressionante: não estamos sozinhos. Conheci seres extraordinários, lutei contra seres malignos, fiz inimigos e por isso, fui atacado, e por minha culpa, estamos sendo também”.
– Ahn...
– Você pode guardar este segredo? Eu não sei o que fazer agora, minha casa está destruída e provavelmente o governo irá me deportar.
Ela me olhou com aqueles olhos penetrantes. Ela estava muito séria, pensando e racionando. Parecia uma criança com sede de informações. Seus olhos andavam pelo seu quarto processando todos os dados.
– Acho que sim, posso – finalmente disse.
Me levantei da cama e andei até a janela. Lá fora, as rochas continuavam caindo no chão.
Encostei a cabeça no vidro gelado e fechei os olhos.
Eu não tinha tido um minuto de descanso desde que voltei. Tudo rodou em minha mente como se fosse um filme. Eu tinha ido para escola, atendido uma ligação totalmente estranha, visto dois meteoros caírem na minha escola, ido para Lua, participado de uma reunião totalmente louca, conhecido muito mais sobre minha família e de onde eu tinha vindo (realmente), ganhado uma pulseira estelar de presente, sido atacado por um satélite de Plutão, conhecido as três Marias, aterrissado em Mercúrio, sido preso, salvo por Austin, pisado em estrelas, lutado contra um cometa, caído na Terra, vi um amigo morrer ao meu lado, pegado carona no cometa Halley, visitado Plutão, destruído um planeta, conhecido um príncipe rebelde, libertado um planeta oprimido, perdido um amigo, lutado contra um satélite, e perdido minha mãe.
– Peter! – ela chamou acenando – Você está viajando?
– Que? – voltei à realidade. Duas ambulâncias passaram na rua esquivando-se quando puderam de pedras que ainda caiam do céu, indo em direção à minha casa.
– Claire! Ambulâncias! – apontei enchendo o peito de esperança – significam que há feridos, feridos em um acidente!
Minha mente estava fervilhando. A ideia de que minha mãe estava escondida ali, nos escombros de minha casa era boa demais para ser verdade. O cansaço sumiu e a vontade de descobrir se tornou maior do que eu naquele momento.
– Ou feridos por causa dessa chuva de meteoros – disse Claire, mas não dei à mínima.
Sai do quarto e da casa deixando Claire para trás. Corri pela rua que eu já conhecia há anos ignorando todo o perigo em minha volta. Passei o perímetro da policia e adentrei na residência destruída.
Algo no meu coração dizia que eu deveria estar ali naquele momento, a sensação ruim de perda tentava aflorar em minhas veias, mas o entusiasmo de conseguir algo lutava bravamente contra qualquer instinto fraco.
Não ouvi policiais advertindo, nem vizinhos gritando ou câmeras fotografando, eu precisava estar ali. Subi e escalei pelos destroços.
– MÃE! – clamei.
– Jovem, saia daí, é perigoso! – ouvi uma voz atrás de mim, um policial.
Os bombeiros provavelmente não tinham feito muito bem o trabalho deles, pois havia chamas surgindo entre vãos de blocos de concreto. Nossa casa foi construída de um modo bem brasileiro e não como era o padrão do bairro: madeiras.
Ouvi um gemido que fez meu coração parar por um segundo.
Sai escalando mais blocos de concreto, empurrando pedaços de lajotas e envergando vergalhões. Cai uma vez e por sorte segurei em um pedaço de madeira que pertencia à antiga escada que levava ao primeiro andar.
– ONDE VOCÊ ESTÁ? – gritei.
Embaixo de mim, o rosto dela jazia tristemente. Um murmúrio fraco chegou aos meus ouvidos e meu mundo psicológico desabou naquele momento. Seu corpo estava preso debaixo de toneladas de concreto, mas ela estava ali, aguentando e respirando.
Abaixei-me e levei minha mão até seu rosto. Ela chorava. Seu rosto era lindo até naquelas condições, seus olhos castanhos denunciavam a tristeza que ela estava sentindo.
– Peter – ela sussurrou.
– Mãe! Preciso te salvar, calma aí, vou chamar os bombeiros agora! Calma!
– Não é necessário, meu anjo. Eu já estou salva.
Olhei incrédulo para ela.
– Peter, eu estava aqui na Terra só por um período curto de tempo. Eu sabia que um dia eles iriam me achar, não é tão desesperador quanto parece.
– O que você está falando? Mãe! Você precisa ser salva. Os bombeiros, a policia estão aqui, eles irão ajudar!
– Eles não vão me ajudar.
– Como?
– Peter, por isso que eu quis descobrir o que era viver. Para ver pessoas como você, eu tenho orgulho de ver em você essa persistência em ajudar mesmo sabendo que não pode.
– Bombeiro! – gritei para um homem parado na calçada, ele percebeu e começou a escalar os escombros até mim.
– Mãe, eles já estão vindo! – anunciei.
Ela sorriu com tristeza.
– Eles não podem me ajudar, Peter. Mesmo que queiram, eles não conseguem, não podem me ver.
Minha cabeça ficou confusa.
– Mas eu estou te vendo, ele também irá te ver. Ele já está aqui, eles irão te tirar daí e vão te levar para o hospital, iremos superar isso juntos – disse com lágrimas brotando nos olhos.
– Peter, eles não podem me ver. Eles não são como você.
– Como eu? – indaguei. – Mãe, o que você está dizendo?
– Peter, há anos atrás, eu cansei de ficar somente parada e resolvi radicalizar, desci e adquiri a forma humana. Casei com um homem e tive um filho maravilhoso e logo soube que grandes coisas estariam traçados em seu futuro. Estrelas caem todos os dias Peter, e agora é a minha vez – a voz dela foi ficando mais fraca.
– Mãe, o que você está dizendo?
– Peter, eu sou uma estrela caída. Eu era uma estrela, por isso você consegue vê-las, consegue comunicar com elas e disso eu tenho muito orgulho.
Olhei para o lado e percebi que o bombeiro estava fitando o vácuo. Ele realmente não estava vendo minha mãe. Para ele, eu estava falando com um pedaço de pedra.
– Peter, me escute.
Voltei a prestar atenção nela.
– Você precisa voltar para o Universo, único lugar seguro para você é lá, e avise a todos que o breu está acabando, ele irá se extinguir em breve. Eu sinto tudo mudando. Tudo isso me arrepia, e não importa o que você veja ou ouça, não mude seus princípios e não pare de acreditar no que você tem fé hoje, tudo bem?
Ela fechou os olhos.
Uma lágrima minha caiu no que agora tinha se transformado em pó. Abaixei meu braço e deixei o pó branco apoderar em minha pulseira. Muitas lembranças da minha infância rodopiaram em minha mente naquele momento, todas felizes, ao menos. Ela estaria sempre próxima a mim.
Me levantei, dei uma boa olhada no bairro. Seria a última vez que veria esta paisagem? Seria a última vez que respiraria o ar frio de Washington? Seria a última vez que visitaria este local que construí minha vida? Eu esperava que não.
Peguei o celular no bolso, digitei no celular o código que já conhecia: *2#. A tela ficou branca e “Lua, Domínios de Chloe Serene” apareceu. Um momento de nostalgia.
– Peter! – ouvi a voz de minha mãe no fundo do meu ouvido. Fechei os olhos com mais força, tentando afastar as memórias ruins e trazer as boas.
Há alguns dias, eu usei o mesmo código dentro do almoxarifado da minha escola, esperando ser uma pegadinha de televisão, agora, eu tinha certeza que pegadinhas não envolviam uma jornada banhada de mortes.

O som se cessou.

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